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Etherea e o Teorema da caverna: a expansão do pensamento em metragens limitadas

Análise: The 100 - Etherea (2020)

Rafael Tunussi


Eu imagino que a maioria das pessoas que abriram essa análise nunca assistiram The 100, ou possivelmente desistiram em alguma das primeiras temporadas, mas mesmo se esse for o seu caso, você não deveria desistir agora. Etherea, décimo primeiro episódio da sétima temporada é uma obra a parte da série e apresenta uma reflexão independente ainda mais interessante do que o tema abordado pela série.


Caso, você seja um fã da saga, eu aconselho ver o episódio antes de voltar aqui, pois contará com muitos spoilers. Caso você decida ver o episódio separadamente antes ou após a leitura do texto, obviamente não vai entender todas as referências, mas ele é bem autoexplicativo, sua experiência não vai ser prejudicada.


Bom, por motivos de contextualização, The 100 é uma série de fantasia adolescente, que contém cultos religiosos estranhos, viagens interplanetárias e guerras recorrentes. Os protagonistas apenas tentam sobreviver a esses acontecimentos a cada episódio e salvarem si próprios e as pessoas que amam. Durante todo o percurso, eles não tiveram medo de pôr fim a vida de outrem para salvarem “seu povo”.


Dito isso, vamos ao episódio Etherea, Bellamy Blake, um dos protagonistas da série está preso em um planeta completamente desconhecido, com seu “inimigo”, como ele mesmo define no decorrer do episódio. A única coisa que o personagem sabe é que precisa sair do planeta e reencontrar seus amigos e tudo que tenta impedi-lo são obstáculos a ser superados, assim como sempre foi no decorrer da série. Ele luta com o inimigo, se livra do problema e começa sua jornada de volta pra casa. Mas na primeira dificuldade percebe que precisa de ajuda.


Seu inimigo também quer voltar pra casa e é aí que começa a jornada mais interessante da série até então. Bellamy salva a vida do seu inimigo que estava gravemente ferido, explicando assim que eles precisam um do outro pra fugir da condição em que se encontram. Eles trocam várias farpas e ofensas, mas nesse processo de recuperação, pela primeira vez Bellamy percebe a existência de um ser humano em seus inimigos. Ele percebe a existência do outro e, maior do que isso, a existência do seu egoísmo que nunca o permitiu de se importar com isso antes.


Assim, como Bellamy, o espectador conhece a outra face da moeda, o inimigo na verdade se chama Doucette e acredita em seu pastor acima de todas as coisas. Enquanto o protagonista é uma pessoa que sempre foi cética, pois precisou fazer tudo sozinho para se manter salvo, Doucette deixa tudo nas mãos do seu pastor, porque ele o guiará e o salvará, eles são extremos opostos de um ponto de vista. Doucette teria morrido por sua fé cega que o pastor o salvaria. Bellamy novamente é o herói, que o salvou e tem a convicção de que acreditar em algo maior além de si mesmo é estúpido. Durante o processo de recuperação de Doucette, Bellamy se sente entediado e passa a ler uma espécie de bíblia de bolso do seu agora companheiro e claramente é tudo estupidez e enganação.


Eles têm uma discussão sobre aquilo tudo fazer ou não sentido, descordam, mas decidem seguir seu caminho em busca da liberdade (todo esse diálogo, acontece dentro de uma caverna, isso vai ser importante). Chega o primeiro obstáculo e Bellamy necessita da boa vontade de Doucette para seguir, por um momento, parecia que o fiel iria abandonar o protagonista e seguiria sozinho, mas ele volta para ajudá-lo e diz que Bellamy só precisa de um pouco de fé. Os dois continuam seu trajeto e uma tempestade de neve os atinge, de forma que é impossível continuar, Doucette lembra da trajetória de seu pastor e que a única forma deles sobreviverem era esperar a tempestade de neve passar. Bellamy, como sempre segue sua intuição e continua. Doucette segue os ensinamentos de seu pastor e para em um abrigo. Agora eles estão separados e o protagonista em pouco tempo não resiste a tempestade e cai ao chão, Doucette volta e salva sua vida, levando a um abrigo. Uma nova caverna.


Nesse ponto a intenção filosófica torna-se o aspecto principal do episódio. A fé sem a iniciativa teria matado Doucette e a iniciativa sem fé teria matado Bellamy, os extremos teriam matado ambos personagens, apenas o equilíbrio dos dois os mantém vivos. Na caverna, eles encontram luzes e uma energia que remetem ao pastor de Doucette. Ele considera tudo uma prova que apenas Bellamy não quer enxergar. Com o tempo, a tempestade não passa e Bellamy vai perdendo sua sanidade, enquanto Doucette se mantém firme rezando todos os dias e um diálogo interessante acontece. Bellamy diz que tudo que Doucette acredita é estúpido mais uma vez e ele se defende falando que aquilo que é o verdadeiro amor, o amor do protagonista fez com que ele matasse e machucasse diversas pessoas, mesmo após tanto esforço, Bellamy permanece vazio. Doucette ama a toda humanidade igualmente e é isso que lhe foi ensinado. É isso que o deixa sempre com a consciência limpa e, caso seja esse o momento de sua morte, ele cumpriu seu papel em algo maior. Ele convida Bellamy para rezar, nesse momento ele tem uma visão de que toda a sua luta era em vão sem algo para acreditar. Nesse momento a tempestade vai embora.


No âmbito narrativo, isso é completamente ridículo, eu sei. Mas agora vamos para lado filosófico. Na primeira caverna, que era menor e os dois estavam presos devido a lesão de Doucette, Bellamy só via si próprio e os seus motivos para sair de lá e seu companheiro era um empecilho, alguém que não tem o conhecimento de mundo dele, que é ferido, mentalmente e fisicamente. Como Bellamy mesmo disse, “são só palavras”, Doucette só crê fielmente que as sombras da caverna (palavras do livro) são a realidade, mas o que ele não sabia é que a segunda caverna era a que ele mesmo criou. Em que a fé é estúpida e não serve de nada, se não fosse pela fé de Doucette, ele teria morrido com sua cabeça fechada de que a fé só manipula os homens. A fé possibilitou que o seu companheiro permanecesse com a esperança e a certeza de que seria salvo e viveria.


A caverna de Bellamy é maior que a primeira e é nela que ele começa a perder sua sanidade, nas suas próprias convicções, essa caverna é maior, porque além dele precisar vencer a arrogância de suas certezas, também tem que caber os espectadores, que acreditam que tudo que Doucette tem fé não passa de manipulação, mas isso foi importante para que os dois sobrevivessem. A fé, mesmo que pareça errada para você, serviu para salvar a vida dos dois. Além disso, em sua visão, Bellamy conseguiu ver um propósito maior para todas suas ações, sua mãe, alguém que lutou para proteger sua família (ele e a irmã) e se sentiu seguro. Ele encontrou seu propósito, manter sua família segura, ter fé de que conseguiria, mesmo que em nada acreditasse. Sua luta finalmente valeria a pena para algo maior, não se salvar, mas levar sua família a segurança, o que inclui seus amigos de sempre.


Assim, a crítica a religião da série torna-se evidente, Bellamy se liberta de sua caverna, mas sem sair de dentro dela, ele se libertou, mas não ao ver o mundo do lado de fora, ele criou uma outra caverna ao entender errado a mensagem que recebeu, entendendo que foi o pastor que o levou a visão e que deveria segui-lo cegamente. Assim como Doucette e todos que seguem a religião na série, Bellamy interpretou de forma errônea a mensagem. Ele ao invés de perceber que o meio termo e o equilíbrio o levariam ao seu objetivo, se tornou o extremo oposto. Voltando a história, ter fé permite que Bellamy salve a vida de Doucette e que os dois voltem pra casa, mas após isso Bellamy toma uma decisão que irritou todos os fãs da série. Ele entrega seus amigos ao inimigo, pois acredita que é o certo a se fazer, devido a fé exagerada. Ele sacrificou tudo em que acredita pela fé, assim como Doucette fez no início e morreria se não fosse por Bellamy. Agora será que algum Bellamy o salvará dele mesmo?


A análise acabou, mas gostaria de conversar com quem não é fã e com os que são também. Aos que não conhecem, assistam ao episódio, caso se interessem. A série possui um tipo de entretenimento mais voltado ao público adolescente, que eu particularmente gosto muito, mas tem contornos de drama e aventura que realmente intrigam o público. Vão ter alguns episódios que realmente vão te fazer ter vontade de desistir, mas em um aspecto geral, vale a pena, para qualquer público, me divirto muito.


Se você decidiu que vai começar a assistir, feche esse texto agora e obrigado por chegar até aqui, mas vou falar com os fãs. Aos fãs, uma conversa breve, eu sei que o episódio possui vários pontos estranhos (recuperação rápida da perna de Doucette, as luzes da segunda caverna, a tempestade parar do nada, eles sobreviverem tanto tempo na caverna sem comida etc.) e que provavelmente tudo isso foi uma manipulação que o Bellamy passou para “catequiza-lo", igual aconteceu anteriormente com Echo, Hope, Octavia e Diyoza, mas mesmo assim queria comentar de toda reflexão filosófica que envolve o episódio. E sei que todos vocês devem odiar o Bellamy agora e estar putos comigo por enaltecer o episódio, mas tudo isso só deixou as coisas mais interessantes, na minha visão. Mas isso talvez seja papo para outra análise ou conversa.

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